Efeito 2013 e pandemia seguram o valor das passagens de ônibus na maioria das capitais
Em 16 capitais brasileiras, o preço das passagens de ônibus subiu abaixo da inflação na comparação entre junho de 2013, quando protestos contra o aumento da tarifa se espalharam pelo país, e 2023, aponta levantamento do g1. Especialistas dizem que temor de prefeitos de aplicar reajustes e diminuição do número de passageiros na pandemia foram fatores importantes na ‘segurada’ dos preços —no aumento de subsídios. Em 16 capitais brasileiras, o preço das passagens de ônibus subiu abaixo da inflação na comparação entre junho de 2013 —quando protestos contra o aumento da tarifa se espalharam pelo país— e 2023, aponta um levantamento do g1.
Significa, na prática, que os prefeitos seguraram os reajustes, seja por meio de subsídios ou de negociações. E que, caso tivessem sido reajustadas pela inflação dos últimos dez anos, as passagens nessas 16 capitais deveriam estar mais caras do que estão.
Segundo pesquisadores e representantes do setor de transportes urbanos, isso se deu por dois motivos:
Os protestos de 2013: o movimento, que ganhou força quando as tarifas de ônibus, trem e metrô subiram R$ 0,20 em São Paulo, trouxe visibilidade para o tema e o levou para o debate público — além de ter, possivelmente, feito com que gestores públicos avaliassem aumentos nas tarifas com mais receio, diante de possíveis novos protestos.
A pandemia da Covid-19: Durante o período de isolamento social e com a crise econômica, os transportes sofreram um esvaziamento de passageiros. Para segurar as altas das tarifas, muitas prefeituras passaram a subsidiar parte dos custos ou mesmo a cortar serviços (diminuir linhas de ônibus, etc).
“Em 2013, eu era vice-prefeito [de Porto Alegre], havia muitos outros problemas e os 20 centavos foram só a faísca”, disse o prefeito de Porto Alegre Sebastião Melo (MDB), vice-presidente de mobilidade da Frente Nacional de Prefeitos (FNP).
Porto Alegre manteve neste ano o mesmo preço da passagem de 2021 e de 2022: R$ 4,80. Em junho de 2013, o bilhete custava R$ 2,85; se corrigido pela inflação, o valor deveria ser de R$ 5,11.
“[Os prefeitos] Podem ter receio de 2013? Claro que podem ter, mas a sociedade está empobrecida. Aumentar a passagem pode acabar desaquecendo a economia. Tem que ter uma passagem que caiba no bolso do cidadão”, diz o prefeito, que defende um marco regulatório em âmbito federal para o transporte coletivo.
Parada de ônibus em Natal, no Rio Grande do Norte
Veja outros destaques:
Em Manaus, o preço do ônibus passou de R$ 2,90, em 2013, para R$ 4,50. Se fosse corrigido pela inflação, o bilhete deveria custar R$ 5,20.
Em São Paulo, a passagem foi de R$ 3,20 em junho de 2013 para R$ 4,40 atualmente – pela inflação, seria R$ 5,74, uma diferença de R$ 1,34.
No Rio, a diferença chega a quase R$ 1: a passagem custa R$ 4,30, sendo que o valor corrigido de 2013 é R$ 5,29.
Já em Salvador, a passagem atualmente custa R$ 4,90, apenas R$ 0,12 a menos que o valor corrigido de 2013, R$ 5,02.
Em outras capitais, o movimento foi o inverso: as passagens hoje custam mais que o valor corrigido de dez anos atrás. Veja os destaques:
Em Boa Vista, há dez anos, a passagem custava R$ 2,25, ante R$ 5 em 2023. Se fosse corrigido pela inflação, o bilhete deveria custar R$ 4,04.
Em Curitiba: o bilhete principal passou de R$ 2,85 para R$ 6 – se tivesse sido corrigido pela inflação, seria R$ 5,11
Há ainda duas cidades, Vitória (ES) e Belém (PA), em que o preço atual é muito próximo do valor de 2013 corrigido pela inflação — R$ 0,05 ou menos de diferença.
Veja as informações de todas as capitais:
Preço do transporte nas capitais
Preço do transporte nas capitais
Para fazer o levantamento, a reportagem do g1 coletou os valores das passagens de ônibus vigentes nas capitais brasileiras no dia 13 de junho de 2013 e em junho de 2023. Foram consideradas as tarifas cheias municipais —no caso em que há desconto no pagamento por meio de cartão de transporte, este valor foi utilizado.
O valor de 2013 foi corrigido por meio do Índice de Preços de Consumidor Amplo (IPCA) do período.
Os cálculos de reajustes das tarifas são estabelecidos contrato a contrato entre as empresas de ônibus e as gestões públicas, e envolvem diversos fatores, como o número de passageiros transportados, o preço do diesel, o custo com a manutenção dos veículos e com a folha de pagamento, entre outros.
Protesto em São Paulo em junho de 2013
Motivos
Ao explicar a razão das passagens abaixo da inflação nas 16 capitais, pesquisadores e representantes do setor de transportes urbanos listaram os protestos de 2013 e a pandemia de Covid-19 como fatores que influenciaram a situação atual.
Em 2013, reajustes de passagens causaram uma série de protesto em diversas cidades do país. Depois, o movimento cresceu e passou a incluir outras pautas e demandas.
O urbanista Roberto Andrés, autor do livro “A razão dos centavos – Crise urbana, vida democrática e as revoltas de 2013”, afirma que, após 2013, “os políticos ficaram com mais medo” de reajustar as tarifas.
“Ninguém imaginava que os protestos de junho ganhariam aquela proporção que ganhou em 2013. Por isso, nos anos seguintes, os políticos ficaram mais receosos de subir os preços das passagens”, diz Andrés.
Ele defende ainda que, com a crise econômica que o Brasil enfrentou nos últimos anos, diversos prefeitos evitaram aumentar os preços por conta de possíveis prejuízos eleitorais.
“Aumentar a tarifa ficou mais arriscado politicamente desde então. Alguns prefeitos bancaram [este aumento]. Outros, não. Para sustentar isso, muitas prefeituras passaram a levar subsídio público para as empresas de ônibus.”
Mesmo com esse possível “receio”, dados da Associação Nacional dos Transportes Urbanos (NTU) mostram que o preço médio das tarifas subiu no país após uma queda imediata aos protestos de 2013.
O levantamento considera as tarifas de nove capitais brasileiras com base no preço da passagem média corrigido pelo IPC-DI, índice que também mede a inflação.
Tarifa média do transporte público por ônibus
NTU
Como é possível ver no gráfico acima, em meados de 2013, a média da tarifa ponderada pela quantidade de passageiros transportados estava em R$ 5,19. O valor diminuiu para R$ 4,73 depois — mas, em 2017, já estava em R$ 5,55.
Essa alta apenas desacelerou a partir de 2019 e nos anos pandêmicos, atingindo o valor mais baixo do período em 2022, R$ 4,07.
“O que acontece? A gente vê que foi subindo, apesar das brigas que aconteceram em 2013, e aí bate esse limite [em 2017], aí começa a cair. Mas a grande queda acontece a partir de 2020, que é quando nós temos a pandemia. A pandemia trouxe um efeito muito grande”, afirma Francisco Christovam, presidente-executivo da NTU.
Segundo Christovam, a queda de demanda e a consequente perda de receita das empresas de transporte urbano no período fez com que o setor entrasse em crise, e isso teria sensibilizado os gestores públicos a “tomar consciência de que já não era mais possível repassar o custo da prestação de serviço para o passageiro”.
Rafael Calabria, coordenador de mobilidade do Instituto Brasileiro do Direito do Consumidor (Idec), concorda que a pandemia causou um período crítico no transporte público urbano, mas afirma que a resposta a essa crise foi feita de forma desordenada.
“O que deu mais força à ‘segurada’ de preços dos prefeitos foi a pandemia. Mas isso foi feito de forma muito desorganizada, por meio de auxílios, socorros e subsídios. O número de passageiros já vinha caindo antes, mas a pandemia escancarou isso e levou a crise ao extremo”, afirma Calabria.
Viaduto Santa Ifigênia, em São Paulo
Para entender melhor esse cenário, antes, é necessário explicar que, dentro do setor, existe uma tarifa pública — quando o passageiro paga para poder usufruir do serviço — e uma tarifa de remuneração ou técnica — valor que remunera a prestação do serviço.
É possível que esses dois valores sejam o mesmo. Com isso, o passageiro paga exatamente o custo da prestação dos serviços.
Mas o gestor também pode entender que a tarifa de remuneração é alta demais e, por isso, definir um valor diferente para a tarifa pública. Nesses casos, segundo Christovam, como o valor é insuficiente para a manutenção do transporte da forma solicitada pelo gestor público, haverá uma degradação do serviço.
“Por exemplo, o custo de remuneração é R$ 7, mas o prefeito diz: ‘Não, você está louco, vou fixar em R$ 5’. Então o prefeito está assinando uma determinação que pode degradar o serviço. (…) Todo prefeito quando fixa uma tarifa pública menor que a tarifa de remuneração está consciente de que está degradando o serviço, de que ele está dando um serviço de pior qualidade para a população”, afirma o presidente da NTU.
Outra opção, afirma Christovam, é o gestor complementar o valor da tarifa pública com um subsídio, chegando ao valor da tarifa de remuneração, mas sem fazer com que o passageiro pague a mais por isso.
De acordo com os especialistas, a pandemia da Covid-19 fez com que mais cidades optassem por essa segunda opção — a do subsídio.
Nesse contexto, um levantamento da NTU aponta que, dos 61 sistemas de transporte que possuem algum tipo de subsídio definitivo no Brasil, ao menos 36 foram instituídos depois de 2019 . Há ainda 81 municípios que têm tarifa zero integral ou parcialmente, segundo o levantamento da NTU.
Com o subsídio, os gestores conseguem controlar o preço da passagem paga pelo passageiro (tarifa pública), enquanto remuneram o valor indicado pelas empresas de transporte como suficiente para a manutenção do setor (tarifa de remuneração).
O modelo, porém, pode apresentar consequências negativas. “Infelizmente, as prefeituras às vezes dão subsídios de uma forma ruim. Por passageiro, por exemplo. Cada tarifa que a pessoa paga, a cidade dá um complemento. Ou seja, fecha a conta e tapa o ‘buraco’ da empresa”, diz Calabria.
“As cidades estão subsidiando [mais] desde a pandemia, mas sem mudar a qualidade do serviço. Estão tentando fazer a conta fechar na base de medidas emergenciais e cortes de serviço”, afirma.
“[Este tipo de] subsídio não melhora o setor do transporte público. Ele apenas segura a crise”, diz Calabria.
Segundo o coordenador do Idec, o Brasil não possui um sistema estruturado de gestão de transporte público. “Cada cidade faz o seu e há oligopólios. O cenário é complexo”, diz. Ele também afirma que falta transparência no setor — principalmente na questão conhecida como “caixa preta”, que se refere aos cálculos por trás da forma como os reajustes e as tarifas são calculados hoje.
“O ideal seria fazer um subsídio ou custeio com base no serviço. Vai ter x linhas e vai custar tanto. Então precisamos de subsídio para bancar esse tanto. (…) O debate que se faz agora é de como conseguir organizar esse apoio e criar uma forma de tratamento federal, estadual e municipal que ajude a reduzir tarifas e, ao mesmo tempo, consiga que o setor de transporte forneça serviços com mais qualidade, de forma contínua e estabilizada.”
O presidente-executivo da NTU, por sua vez, afirma que as empresas de transporte não são responsáveis pela elevação dos custos — apenas repassam esses aumentos aos consumidores. E diz que o cálculo do preço tem como base tabela da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). “Custo é questão de engenharia e economia”, afirma Francisco Christovam, presidente-executivo da NTU.
O levantamento ainda aponta que, mesmo que a maioria das capitais tenha conseguido segurar o reajuste das passagens abaixo da inflação, os gastos com as passagens de ônibus podem acabar representando quase 20% do salário mínimo em algumas cidades.
No Recife, por exemplo, um trabalhador que use o ônibus de R$ 5,60 para ir e para voltar do trabalho de segunda a sexta gasta o equivalente a 18,9% do salário mínimo da cidade por mês.
Essa proporção é muito semelhante à encontrada em Brasília (18,6%), para aqueles que usam os ônibus de R$ 5,50.
Em Belo Horizonte, o percentual é ainda mais alto: 20,3%.
Veja os dados completos:
O peso da tarifa no bolso do trabalhador
Para fazer essa comparação, o g1 optou por usar a passagem mais cara de cada capital, que nem sempre é a mais utilizada, mas que indica o valor máximo que um trabalhador pode pagar na região. Além disso, em alguns locais, não há separação entre passagens municipais e intermunicipais.
“[O peso do transporte público no Brasil] é muito alto. Em Lisboa, por exemplo, o passe mensal é 30 euros ,e o salário mínimo está em torno de 800 euros. Isso dá cerca de 4%. A tendência nos lugares em que o transporte público funciona bem vão estar mais nesta escala”, diz Andrés.
Calabria também destaca que o custo para o brasileiro é alto – e ainda cita as demandas por tarifa zero no país. “O transporte é um direito social, que garante acesso a outros direitos. Quem vai ao SUS, que é gratuito, tem que pegar ônibus. Mas aí vai ter R$ 8, R$ 10 de custo nas tarifas. O mais socialmente justo é que o transporte seja como a saúde e a educação.”, diz.
Prefeitura de Belo Horizonte:
Os contratos de concessão vigentes preveem reajustes nas tarifas a partir de uma fórmula paramétrica que se utiliza da variação de preços dos principais insumos, a saber: Diesel (peso 25%), Veículo (peso 20%), Mão de Obra (peso 45%), Outras despesas (5%) e rodagem (5). Destaca-se que o mês de referência utilizado nas datas bases da fórmula paramétrica é novembro e que as variações de preços são medidas por índices setoriais apurados por instituições de grande relevância nacional, tais como: IBGE (INPC) para Mão de Obra e Outras Despesas, Fundação Getúlio Vargas (FGV) para veículo e rodagem, Agência Nacional do Petróleo (ANP) para o Óleo Diesel.
A comparação feita pela Globo apresenta a tarifa de R$2,80 em 2013, que passou a vigorar a partir de 29/12/2012 (base nov/2012), e a tarifa de R$6,00 em 2023 (base nov/2023). A partir dessas bases comparativas, é importante destacar as seguintes variações de preços obtidos pelos respectivos índices:
Óleo Diesel: 173,1%;
Veículo: 109,7%;
Mão de Obra e Outras Despesas: 80,6%;
Rodagem: 6,2% (valor estimado uma vez que o índice contratual encontra-se descontinuado pelo fornecedor FGV);
Assim, sob o ponto de vista da variação de preços ponderada na fórmula paramétrica, chega-se a 105,8% no período.
Além do efeito das variações de preço, houve também o efeito das revisões contratuais ocorridas em 2014 e 2015, em razão das alterações sofridas pelo sistema de transporte, em especial, a implantação do MOVE, que aumentou significativamente a possibilidade de integração tarifária para os usuários, além de ampliar a tarifa regional em grande parte das regiões da Pampulha, Norte e Nordeste.
Diante dos efeitos citados, a variação final captada pela fórmula paramétrica atinge 130,1%, valor superior à variação de 114,3% observada na comparação da tarifa de R$2,80 para R$6,00.
Governo do Distrito Federal:
A Secretaria de Transporte e Mobilidade esclarece que os preços das passagens do transporte público coletivo no Distrito Federal são: R$2,70 para circulares, R$3,80 para viagens médias de ligação entre Regiões Administrativas, e R$5,50 para viagens longas e metrô. Importante destacar que o sistema de transporte público coletivo do DF permite ao passageiro fazer integração com até três embarques no período de três horas, no mesmo sentido, podendo combinar micro-ônibus/ônibus/metrô, com o valor único de uma passagem de R$5,50.
Prefeitura de São Paulo:
A Prefeitura de São Paulo, por meio da SPTrans, informa que desde 2020 a tarifa de ônibus é mantida no valor de R$ 4,40 para garantir o acesso da população ao transporte público, sem impactar no orçamento das famílias. A política de transporte de São Paulo concede, por meio do Bilhete Único, integração gratuita entre até quatro ônibus, desconto na integração com o sistema sobre trilhos e gratuidade para estudantes, idosos e pessoas com deficiência.
Para garantir o equilíbrio do sistema de transporte público (menos receita e aumento de custos), é necessário aporte de recursos da Prefeitura – subsídio. Além de manter o valor da tarifa congelado, o subsídio permite 750 mil embarques de idosos, na média dos dias úteis, cerca de 620 mil embarques de estudantes com gratuidade ou desconto na tarifa e 320 mil viagens de pessoas com deficiência, que podem utilizar o sistema de ônibus gratuitamente.
Entre 2020 e 2022 ainda houve aumento substancial nos preços dos insumos, com impacto de 35% no custo dos serviços, principalmente o diesel, que chegou a aumentar 74% nesse período. Além disso, foi mantido o investimento na renovação da frota, com a inclusão de mais ônibus com ar-condicionado e motor menos poluente.
Prefeitura de Manaus:
Após seis anos sem reajustes, o valor da passagem de ônibus em Manaus foi reajustada no dia 21 deste mês para R$ 4,50. A medida foi necessária para garantir a qualidade e a sustentabilidade do serviço, afetadas pelo aumento dos custos com combustível (40%), peças e acessórios (70%), salário de operadores (24,66%), óleo diesel (91,96%) e folha de pagamento dos trabalhadores rodoviários, que corresponde a 45% do valor da tarifa.
O valor da nova tarifa está alinhado aos valores praticados em outras cidades da região, buscando manter um equilíbrio entre a qualidade do serviço prestado e o impacto no bolso dos usuários. Apesar dos custos crescentes do sistema nos últimos anos, na atual gestão houve um investimento contínuo, como melhorias na frota e na busca pela modernização do transporte coletivo. Desde o início da gestão, a Prefeitura de Manaus já entregou 250 novos ônibus. A estimativa é que até o final de 2023, sejam entregues à população mais 150 novos ônibus, e 200 até 2024.
Outro grande benefício é a implementação do Passe Livre estudantil, resultado de um investimento de R$ 156 milhões oriundos de convênio entre a Prefeitura de Manaus e o governo do Amazonas e que beneficia mais de 180 mil estudantes na capital. As gratuidades no transporte público para estudantes permitiram que mais de 12 mil alunos que estavam afastados dos estudos retornassem às salas de aula da rede municipal.
* Colaborou Núbia Pacheco, do g1 AP
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